27 de fev. de 2015

Mínima representatividade na CMN e o feriado da consciência negra continua revogado no Município.

Esse ano a CMN começou seus trabalhos legislativos com um único negro em atuação. Após a indicação do vereador George Câmara para a Secretaria de Esportes do Governo do Estado do RN, Cabo Jeoás assumiu uma cadeira na Câmara Municipal de Natal.

Com aproximadamente 900 mil habitantes[1] no Município, metade composta por negros e pardos - conforme o censo 2010 do IBGE -possuímos agora apenas um representante negro no Parlamento Municipal, ainda que suplente, ou seja, não foi eleito pela vontade popular.

Diante desse quadro, falta no Município políticas eficazes de combate às mazelas sofridas pela população negra oriundas ainda do pior período da humanidade, que foi a escravidão. O espaço formal de fiscalização da gestão municipal, bem como de elaboração legislativa, ignora a realidade de que a maior parte dos assassinatos no Rio Grande do Norte durante o ano de 2014 teve como vítimas homens com menos de 30 anos, solteiros e NEGROS.

É o que apontam os dados divulgados pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH), com base nos registros do Instituto Técnico-Científico de Polícia (Itep).

Os dados divulgados pelo CEDH revelam que, até o último dia 16 de Setembro de 2014, 1269 pessoas foram assassinadas no RN durante o ano. Desses, 1177 são homens, o que representa 92,7% das vítimas. Dos mortos, 788 tinham idade até 29 anos, ou seja, 62% dos indivíduos. Os solteiros somam 897 (70,6%) e os negros são 578 (45,5%).

Na opinião do presidente do Conselho, o advogado Marcos Dionísio, o perfil dos assassinados no RN evidencia que a sociedade potiguar “tem sido levada a pensar nas soluções para os problemas de Segurança Pública no estado de forma preconceituosa e intolerante”.

Diante desse fato de extermínio da juventude negra no Estado, a Câmara Municipal, dentro das suas competências político-legislativas, instituiu o feriado a fim de mobilizar a população para debater e discutir a causa negra, de forma a criar um ambiente de debate acerca do assunto. Sendo assim, de que maneira instituir o feriado afronta a Constituição Federal ou a Constituição Estadual, já que o Município está legislando sobre interesse eminentemente local?

A despeito dessa realidade, e usurpando o caráter eminentemente político do feriado, foi concedida Pleno do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte medida cautelar requerida pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Rio Grande do Norte (FECOMERCIO) para suspender a eficácia dos efeitos da Lei do Município de Natal nº 6.458/2014 de autoria do vereador Fernando Lucena (PT/RN), que instituiu o feriado do Dia da Consciência Negra.

A FECOMERCIO alegou que a competência do Município limita-se a instituir feriados religiosos, sendo feriados civis de competência exclusiva da União. Inclusive, para defender sua tese, baseou-se nos termos da Lei 9.093/95 e artigos 22, I e 30, I, da Constituição Federal.

O art. 22, I da CF, em nada impede a legislação municipal em estabelecer feriados, apenas afirma ser de competência exclusiva da União legislar sobre as matérias enumeradas, dentre elas a matéria trabalhista e civil. Decretar o feriado municipal não caracteriza invasão de competência legislativa da União, já que está ausente qualquer hipótese de modificação, extinção ou edição de norma jurídica de Direito do Trabalho ou Direito Civil, pelo que se afasta a inconstitucionalidade levantada.

O desembargador relator Expedito Ferreira apontou de forma equivocada possível afronta ao artigo 24 da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte. Ora, o art. 24 da Constituição do RN apenas permite que os Municípios exerçam, no seu peculiar interesse, todas as competências não reservadas à União ou ao Estado.

O art. 30, I, da CF, por sua vez, admite que os municípios legislem sobre as matérias de interesse local. A Lei 10.639/03 que instituiu em nível nacional o "Dia da Consciência Negra" não trata de feriado nacional, e sim, de dia em que a questão racial é objeto de reflexão nos estabelecimentos de ensino, e portanto, em dia útil. Daí porque, a instituição de feriado municipal, destinado a internalizar nos lares a discussão do relevante tema, em nada fere a Constituição, configurando sim, modalidade de legitimação concorrente da municipalidade, respaldada pelo inciso II, do artigo 30 da Carta Magna (II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber).

A interpretação demonstra tão somente o conservadorismo do Tribunal estadual. Até porque, de 5.570 municípios do país, 1.047 adotaram a data como feriado, o que corresponde a 18,8%, segundo a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República.

A Lei 9.093/95 também, em nenhum momento obsta a instituição de feriados como o da consciência negra pelo Município. Seguindo tal raciocínio, qualquer feriado adentraria na matéria trabalhista e, por isso, afrontaria a Constituição Federal, não podendo haver competência para os estados e municípios instituírem, pois, quaisquer feriados ainda que com teor religioso! Afinal, estaríamos certamente adentrando na seara trabalhista, matéria de competência legislativa exclusiva da União.

O manejo utilizado pelo branco Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, foi na verdade, uma manobra hermenêutica com um teor eminentemente político. Demonstrou, sobretudo, a força do poder econômico sobre o Judiciário e o Executivo!

Uma total indiferença com o extermínio da juventude negra na capital potiguar. Ora, precisamos combater o racismo e as formas de violência contra os negros e as negras. Porém faltava aos negros e às negras voz dentro da própria Câmara, e só agora saíram da representação inexistente, para a mínima representação.

A questão, portanto, não é jurídica, e sim, política, e principalmente de representatividade. Até porque, vários outros municípios instituíram o feriado do dia da consciência negra, a despeito de todo o alegado pela FECOMERCIO, e pela decisão do nosso branco Tribunal de Justiça potiguar.




[1] http://cod.ibge.gov.br/23957